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O Destino

No silêncio escuro de seu quarto ele permanecia imóvel. Seus olhos fitavam a escuridão. Sua respiração era pausada. Por algum tempo um filme passou pela sua mente. Lembrara da noite anterior. Havia saído, havia bebido, havia se envolvido com uma loira. Aquela loira! Linda, cabelos cacheados, olhos verdes, corpo bem torneado. Tudo parecia bom demais. Em meio à música alta, aos drinks, e a excitação do momento ela o “seduziu” e os dois foram para o pequeno, mas aconchegante, apartamento dele.

Ao chegar em seu lar-doce-lar, apesar de os dois terem abusado um pouco das bebidas, ele ofereceu a ela um cálice de vinho. Ela, prontamente aceitou. Sem conversas, ambos bebiam e trocavam olhares, sentados, um ao lado do outro no sofá. Sem muito pensar, ele sorveu os últimos goles do vinho e colocou a taça sobre a mesinha de centro e partiu para cima dela com beijos sôfregos. Ela se deixou ser beijada e deixou o vinho cair de sua mão, manchando assim o tapete, o tapete que breve abrigaria seus corpos nus.

Entre beijos, carícias e preliminares, ele sentiu uma pressão no peito, uma ligeira falta de ar, a cabeça ficou pesada. Teve que parar de imediato o que estava fazendo. Ela se mostrou preocupada, perguntou se podia fazer alguma coisa. Ele disse que não, que logo passaria. Deveria ser apenas um breve mal-estar. E desde então, ele não lembra de mais nada. Acordou e estava sozinho. O que será que aconteceu? Onde está a loira?

Ainda se sentindo mal, ele se manteve quieto, parado. Ao constatar o que havia acontecido, ficou completamente estático, sem qualquer reação aparente. Mal podia crer. Ele fora vítima de um golpe planejado por ela, pela loira. Sob a luz do abajur, ele moveu o que conseguia em seu corpo e leu o bilhete. Dizia: “obrigada pelas bebidas, pelos carinhos. Mas, era preciso”. A dor se intensificava, a sensação de violação era crescente.

Mais uma vez ele havia sido manipulado e usado por uma mulher. Todas, haviam, de uma maneira ou de outra, se aproveitado de sua boa vontade, de seu cavalheirismo. Começara pelo autoritarismo de sua mãe, depois seguiu com os desmandos das tias, a dominação das professoras, os abusos das colegas de escola, as ordens da chefe de trabalho, as chantagens das namoradas e amantes.

Elas, todas usavam e abusavam do seu jeito de ser. Coincidentemente, todas eram loiras. As loiras tinham um quê de fascismo, acreditava ele. Ele nasceu para sofrer por causa delas. Não era a primeira vez que sofria por causa de uma mulher, mas talvez fosse a última. O corte, o lugar onde antes havia um rim, agora se esvaía em sangue. Olhando sua mão, suja de sangue, escuro, espesso, ele teria certeza de que pelo menos não haveria mais por sofrer por causa da ingratidão das mulheres. Então decidiu por ficar paralisado, esperando o tempo acabar com o que a linda loira havia começado. Preferiu continuar ali, naquele quarto escuro, frio, e acabar assim, com todo o sofrimento já sentido durante estes vinte e oito anos de vida.

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Crônica finalista no concurso Prêmio de Jornalismo Experimental Unisinos

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